Os pecados da carne e as testemunhas do antijeová


Então, você acha, mesmo, que a Gisele Bündchen lava o cabelo com o shampoo Pantene e assina a TV a cabo Sky? Ou que a Ana Maria Braga consome toda aquela tralhaiada inútil que anuncia diariamente no seu programa de TV? Ou que a Xuxa - a Xuxa, com aquela grana! - hidrata o corpinho com o simplesinho dos simplesinhos creme Monange? Ou, ainda, que a Hebe Camargo bebia Brahma, o Pele toma Vitasay e o Faustão
paga sem bufar as taxas abusivas de empréstimo do Fininvest? E que o Neymar tem, mesmo, conta no Bradesco, entre outros mil testemunhais dele e de tantos que abundam nas telinhas do Brasil?

Fala sério!

Você sabe muito bem que tudo é rigorosamente mentira e que faz parte de uma histórica farsa de longa data onde anunciante e consumidor são cúmplices silenciosos de uma - diga-se de passagem - mediocrezíssima ficção. Por que agora tantos pudores, esgares, ohhs e ahhhs, justamente com o Rei Roberto Carlos e a Friboi?  


Os motivos, parece, são vários.  

Roberto é um vendido, - acusou um renomado blogueiro jornalista, alegando que o Rei ganhou não sei quantos milhões pra dizer que desvirou de vegetariano pra carnívoro. Que falta de vergonha, tapa na cara de todos os vegetarianos e e veganos do Brasil e do mundo! Falta de hombridade, seriedade, moral. O homem rasgou seus valores por dinheiro, isso não se faz! Bombou Facebook e Twiter. 


Parecia um quadro de Bosch: os rotos esbravejando dos rasgados.




Tamanho moralismo de cuecas e mal disfarçada inveja me fizeram imaginar que havia ali algo muito mais metafísico que físico ou fisiológico.


Me dei conta de que Roberto Carlos é uma espécie de santinho do Brasil. Intocado, puro, sacristão, coroinha. Sempre de plantão no altar do nosso imaginário. Ele é aquele da família brasileira que se imola para todos os outros poderem pecar. Ele fala de Jesus Cristo, de mãe, de Nossa Senhora. 


Ele andou com uma turma da pesada - Erasmo, Tim Maia - mas nunca se conspurcou, nunca se meteu com drogas, bebidas, escândalos. Ele perdeu uma perna num acidente e superou. Ex-votos! Ele é o cara. Ele é o mentor amoroso de tantas gerações. 



Como se atreveu a dizer que voltou a comer carne porque é Friboi? Como se atreveu a descer do sacrário e se vender por inomináveis trinta-dinheiros?


Desconfio que Roberto ocupe o lugar, também, de eterno namoradinho do Brasil, uma espécie de Regino Duarte de calças, baluarte do amor sem mácula, do romantismo que nunca morre, amante à moda antiga, do tipo que ainda manda flores. Tudo no papel, no ouvido, tudo no coraçãozinho com as mãos. 


Porque, francamente, ninguém imagina o Roberto Carlos pelado transando loucamente numa cama, mesmo que ele cante que vai cavalgar a moça e pedir café amanhã de manhã. Não! Roberto Carlos, não. Roberto Carlos é que nem mãe. Não tem sexo. Não tem pecado. É tipo um anjo, Roberto Carlos.


O único pecado que vejo, em tudo isso, é que o comercial de TV é muito ruim, malfeito, mal dirigido, mal roteirizado, mal interpretado. Uma reverenda porcaria, sob o ponto de vista técnico e criativo.



Como idéia, em tese, me parece coerente com todos os outros mentirosos comerciais de testemunhais: Roberto Carlos voltou a comer carne e mente que a carne é Friboi. 


Mentiu, sim, como todos os outros antes dele. Exceção, talvez, ao Zeca Pagodinho, que, parece, sempre bebeu Brahma. Mas que também faltou com a verdade. Antes de testemunhar que bebia Brahma, andou mentindo que bebia cerveja Schin. E, depois, ainda teve a cara-de-pau de dizer - assoprado por Nizan Guanaes - que a Schin era só uma ficante e a Brahma, sim, amor verdadeiro.


O jornalista e humorista Stanislaw Ponte Preta ironizava, nos anos 60: "ou nos locupletamos todos, ou fica instaurada a moralidade".  Cabe pensar, quem sabe, que esta é uma boa hora para instaurar o direito, de fato, e começar a cumprir o artigo 37 do Código do Consumidor (Lei 8078, de 11 de setembro de1990):


 Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente                falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade,  propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre  produtos e serviços. 


Leu ali? Qualquer informação, inteira ou parcialmente falsa. Qual-quer. Nem pra Robertos Carlos, nem pra Fribois, Giseles, Anas, Xuxas, Hebes, Pelés, Neymars ou Faustões. Aleluia! Nós, os pobres mortais consumidores telespectadores nos livraríamos, de lambuja, também, de uma praga bem mais que abominável. De propaganda ruim. (Graça Craidy)

Arte do fundo: Hieronymus Bosch, pintor renascentista holandês, sec.15 e 16.
Arte do Roberto Carlos em neon: Nelson Leirner, Adoração, 1961.

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25 comentários:

  1. Clotilde Maso escreveu:

    Graça, muito bom sua tratativa sobre os enganos de propaganda. Eu nunca vou atrás disto. Compro só o que preciso e acerto ou erro por mim.

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  2. Adriana Gragnani escreveu:

    Sabe que um dia comprei esse tal de Monange? E não foi por causa da Xuxa. É uma droga, mora!

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  3. Marcelo Eugenio escreveu:
    Excelente texto, lembrei muito da obra Adoração, do Nelson Leirner, na qual a imagem em neon do Rei ocupa, com suas luzes artificiais, lugar de destaque entre os santos. https://www.google.com.br/search...

    nelson leirner roberto carlos - Pesquisa Google
    www.google.com.br

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    1. Muito legal, Marcelo Eugenio! Não conhecia, mas a percepção é bem essa, santo entre os santos.

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  4. Susana Gastal escreveu:

    Gracinha, muito bom. Me fez lembrar que certa fui processada por uma marca popular de cosméticos porque, num conto meu, publicado na Playboy, a personagem dondoca fazia um comentário irônico sobre o tal creme. Não repito a marca aqui, porque vá que queiram me processar de novo... Só rindo....

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  5. Sérgio Antonio Kochepki escreveu:
    Minha vida, a partir de agora, terá novos rumos.

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  6. Patrizia Donatella Streparava escreveu:

    Demais! Estou compartilhando.

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  7. Guilherme escreveu:

    Graça "Kick-Ass" Craidy!!!
    Excelente!

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  8. Regina Weber escreveu:
    A articulista tem razão, há muitas propagandas enganosas feitas por pessoas que têm projeção pública. Esta projeção é vista como uma propriedade pessoal, mas não deveria ser assim. Há algo de público na notoriedade. As mulheres que compram estes produtos anunciados podem desconhecer que cosméticos bons, os usados pelas notáveis, são caríssimos, em geral importados, e não se vendem em supermercados. Uma forma de se contrapor a esta alienação, é defender o comércio de produtos locais, sempre que possível.

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  9. Vinicius Lucchese Marin escreveu:

    é isso aí Graça, falou(escreveu) simplesmente a verdade. Estamos de saco cheio de tanta publicidade fajuta.

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  10. Sérgio Antonio Kochepki escreveu:

    Como se boi tivesse marca. Boi tem raça. Shampoos acabam de ser lançados e a "modelo" já tem um cabelão invejável. O creme dental mais indicado pelos dentistas na semana passada já foi superado por outro. Vou voltar a usar sabão Soberbo para o banho e Glostora nos meus cabelos, porque tudo o que foi prometido depois não mudou nada os resultados daquela época. Meu desodorante continua sendo Pomada Minâncora, a única anti-alergica.

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  11. Aldo Jung escreveu:

    Um comercial de cigarros, de 1976, protagonizado por Gerson, o “canhotinha de ouro” da seleção de 70, pregava que todos deveriam levar vantagem em tudo. A frase do jogador virou uma espécie de bordão da cretinice. Gostei desse texto que achei no Wikipedia:
    “Na cultura midiática brasileira, a Lei da Vantagem ou Lei de Gérson é um princípio que determinada que pessoa ou empresa deve obter vantagens de forma indiscriminada, sem se importar com questões éticas ou morais (princípio seguido por uma parcela de agências e publicitários, que recebem pagamento por anúncios ou premiações pelo trabalho realizado mas não querem se responsabilizar caso o efeito da divulgação cause transtornos ou danos, eximindo-se de culpa e a transferindo para o anunciante ou para o público, como ocorreu nesse caso com a agência responsável, o que não acontece no caso de premiações, caracterizando como dissimulados praticantes da Lei da Vantagem). A ‘Lei de Gérson’ acabou sendo usada para exprimir traços bastante característicos e pouco lisonjeiros do caráter midiático nacional que passa a ser interpretado como caráter da população, associados à disseminação da corrupção e ao desrespeito a regras de convívio para a obtenção de vantagens.”
    “Por que pagar mais caro se o [marca de cigarro] me dá tudo aquilo que eu quero de um bom cigarro? Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também, leve [marca de cigarro]!”.

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    1. Sim, Aldo Jung. É famosa a Lei do Gerson. Mas acredito que que essa história de levar vantagem em tudo tem raízes mais lá atrás, no modo como fundamos nossa sociedade. Alíás, o Homem Cordial de quem Sérgio Buarque de Holanda fala no Raízes do Brasil nada mais é que o Gerson, no antigamente.

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  12. Rick Jardim escreveu:

    Obrigado, Graça Craidy...enfim alguém me entendeu!! Teu texto é uma análise realista, corajosa e espetacular das mentiras deslavadas que ouvimos todos os dias nas telinhas!

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  13. Roberto Philomena escreveu:

    O Zeca Pagodinho foi pior, Graça Craidy. Ele fez uma campanha para cerveja Schin dizendo que tinha trocado de marca, mas continuava bebendo só Brahma.

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  14. Sim, eu lembro disso, Beto, Aí o tinhoso do Nizan foi lá e fez o Pagodinho se desdizer, o que passou uma nova credibilidade ao mentiroso. Tens razao. Eu deveria ter feito a ressalva. Aliás, vou fazer.

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  15. Sérgio Antonio Kochepki escreveu:

    Orgulhoso em ter sido seu colega de escola, e hoje poder ler algo tão bem escrito por você, e, sobretudo pela abordagem verdadeira. Não precisou usar vocabulário rebuscado, pois sua vontade de além de "ser lida" é "ser entendida". Simples assim.

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  16. Nelson Baibich escreveu:

    Já tinha lido esse texto é muuuuuto bom e os caras se deram conta disso . Parabéns Graça Craidy. Você sempre diz tudo.

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  17. Hermes Bernardi Jr. escreveu:

    Tu sempre é chique. Esse foi apenas um upgrade. excelente texto e reflexão. Beijo pra ti.

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  18. Hermes Bernardi Jr escreveu:

    Minha amiga artista Graça Craidy e seu excelente texto acompanhado de uma boa e necessária reflexão. Bem melhor que umas crônicas bem conservadoras disfarçadas de descoladas que ando lendo em alguns periódicos.

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  19. Vera Lucia Bemvenuti escreveu:
    Tu és muito chic, querida . Parabéns pelas "letras".Magnifico texto Graça Chic.

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  20. Marycelis Nardi escreveu:

    Adorei Graca acho uma palhacada algumas propagandas e pensam estar agradando .vc e boa mesmo .Muito bommmm

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  21. José Martelletti escreveu:

    Imagino que não precise de licença para compartilhar o texto pelos meus amigos fo FB. Se precisar me chame a atenção que não faço mais. É que seu texto é irresistível.

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  22. Maria Helena Zancan Frantz escreveu:

    Baita texto! Adoro tua linguagem afiada e desafiadora. Beijo.

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