MEU QUERIDO DEMÔNIO DA TASMÂNIA


Ano passado, passei 40 dias em Roma, estudando pintura e frequentando museus e galerias de arte. Não me lembro em nenhum momento de o nosso mestre americano David Simon ter nos mandado evitar as salas de uma das maiores coleções de obras de Caravaggio do mundo, porque Caravaggio foi um sujeito de maus bofes, bêbado, litigante, criado nas ruas e acabou assassinando um opositor. Pelo contrário, o que lembro é ele exaltar a maestria de Caravaggio, a luz e sombra de Caravaggio, a inigualbilidade da arte de Caravaggio.
Da mesma forma, não tenho lembrança de haver colocado venda nos olhos para não enxergar a leveza e a perfeição das esculturas de Gian Lorenzo Bernini na Piazza Navona ou em outros palácios romanos, em protesto por o famoso escultor tão genial haver mandado um servo apunhalar o rosto de sua bela esposa que o havia traído com o irmão dele.
Quando fui ao Museu Rodin, em Paris, também não tive coragem de fechar os olhos e me privar da epifania com a Porta do Inferno, O Beijo, os Cidadãos de Calais, porque Rodin foi amante de sua assistente Camille Claudel que esculpia as mãos das figuras humanas do mestre e não assumiu jamais sua relação com ela, contribuindo para a sua internação em um manicômio até o fim de sua vida.
No Museu Picasso, desfilaram por mim todas as mil mulheres que Picasso seduziu e abandonou, uma por uma, ao longo de sua longeva carreira, em magníficas criações.
Confesso que tampouco consegui deixar de assistir os filmes dos velhos faunos Charles Chaplin, Polanski ou Woody Allen. E de me extasiar com a imaginação do outro velho fauno Lewis Carroll. Não consegui! Pela simples razão de que os filmes dos velhos faunos são geniais! E Alice no País das Maravilhas é uma maravilha.
Sou terrivelmente atraída também pelo texto ácido do bêbado Bukowski, pelas tragédias reveladoras do carola machista Nelson Rodrigues, pelas valquírias delirantes do antissemita Wagner.
Amo as comédias da amante de John Kennedy e rival de Jackie, Marilyn Monroe, aplaudo sem críticas os murais ciudadanos do mulherengo Diego Rivera, me rendo sem remédio às Fantasmagorias carregadas de tinta de Iberê Camargo que atirou em um desconhecido, matando-o.
Impossível não amar a guitarra chorosa de Eric Clapton, mesmo sabendo que ele casou com a mulher do seu melhor amigo George Harrison.
Como não se ajoelhar e tecer loas ao inigualável chiaroscuro do caloteiríssimo Rembrandt? E às lânguidas linhas do incomparável desenho do importunador de meninas Egon Schiele?
Como não viajar nas paisagens verdejantes de Paul Gauguin, mesmo sabendo que ele abandonou mulher e filhos à própria sorte para ir pintar no Tahiti? Ou deixar de admirar Rousseau, iluminista do Contrato Social e defensor das crianças que nascem puras mas a sociedade as corrompe, embora tenha largado num orfanato rigorosamente todos os seus 5 filhos, teúdo e manteúdo de uma rica dama da sociedade?
Talvez escape o poeta maior Drummond, embora ele tenha traído sua esposa e dedicado seus versos mais eróticos para a amante, ou Vinícius de Moraes que colecionava mulheres como quem junta figurinhas num álbum, e nos brindou com versos dos mais lindos do cancioneiro popular.
Como esquecer os gols e jogadas de gênio de dois grandes do futebol brasileiro, Pelé e Garrincha, que nos doaram taças e glórias, mesmo sabendo que um se recusou a reconhecer uma filha fora do casamento e o outro, alcoólatra, maltratava a nossa querida Elza Soares?
Julgando a obra pelo homem, a História da Arte, da Música, da Literatura, do Esporte perderia grandes criações. E a humanidade seria infinitamente mais pobre. Quem sabe, como sugere a jornalista Claire Dederer, em artigo no El País, a razão esteja com a esposa do escritor casca-de-ferida Ernest Hemingway, a correspondente de guerra americana Martha Gellhorn, que disse: "um homem precisa ser um grande gênio para compensar o fato de ser uma pessoa tão abominável.”
Para o escritor Marco Severo, autor de Os Escritores que Matei - também citado por Dederer -, a obra é sempre maior do que o seu criador pois “pode falar por toda uma comunidade, uma população. Um artista sozinho não tem esse poder. Não sem o respaldo da sua obra.”- ele conclui.
Por todas as razões que já apresentei, entendo também que é necessário separar a pessoa do artista. Depois que é parida, a obra pertence à humanidade, tem vida própria, é ampla e pública. A pessoa atrás do artista é humana, restrita e privada.
Portanto, quer os patrulheiros de plantão que me atazanaram ontem com o retrato que fiz do Pelé gostem, quer não, tirem seus apupos do caminho e não percam seu tempo tentando me pautar.
Eu sou livre, dona do meu processo, responsável por minhas escolhas e continuarei a fazer retratos e homenagens a todos que curto, quer os fiscais de obra alheia aplaudam, quer não.
Me admira que gente que me conhece há mais de 50 anos, por exemplo, tenha tido a petulância de vir me aconselhar no whats app com absurdos como “deixa o pessoal do futebol homenagear Pelé”, ou, pior, comparar Pelé a Ustra: “ É como dizer sim, Ustra foi um torturador, mas nada a ver.” Como alguém que me conhece há tanto tempo ainda não se deu conta que eu não tenho lado de montar?
Agradeço penhorada as sugestões de amigas e amigos empenhados em mais uma campanha de “ódio do bem”, mas, a não ser que eu peça a sua opinião, não venha me dizer o que você acha que é melhor para a minha vida. Vá cuidar da sua. E, por favor, seja ecológico. Não desperte o demônio da Tasmânia que mora dentro de mim. ( Graça Craidy)

Verde que não te quero verde



Que me perdoem os chimarristas militantes, chimangos e maragatos, amantes do mate herdado dos charruas que, dizem, não foram extintos, apenas se misturaram tanto com os chegantes que viraram os verdadeiro gaúchos. Mas tenham a santa paciência! Precisa mesmo levar o chimarrão a tudo que é canto como um apêndice de si, um RG miniatura, sem o qual não se sentem inteiros, capazes de existir sem ele?

Hoje, por exemplo, cruzei com dois rapazes vizinhos bem bonitinhos de máscara, todos aparatados para a lida chimarresca com térmica, bolsa e duas cuias de chimarrão - pra não se contaminarem, claro! - pegaram o carro e se foram, decerto a um parque, talvez o Germania aqui do lado, quiçá à Encol logo ali adiante. Estava eu embevecida com a cativante consciência dos rapazes, quando me veio a perguntinha fatal: - tá, duas cuias, que amor, duas máscaras, que catitos, mas e na hora de chupar a bomba, faz como? Enfia por baixo da máscara? Ou baixa a máscara só-um-pouquinho? Duvideó! A máscara deve ser só para antes e depois de cada chimarreada. Ou seja: meodeosss! Não é à-toa que entramos na bandeira vermelha, em Porto Alegre.

Uma vez fui assistir a um evento de palestras na Assembleia Legislativa e quando me dou conta, me caem os butiás do bolso: lá em cima, na mesa debatedora da chamada Casa do Povo, espaço maior das leis, nobre ágora do Estado, circulava uma cuia de chimarrão, bem bela, de mão em mão e todo mundo muito gaúcho, pelo jeito, se achando os mais charruas do planeta. E rrrrroncando a cuia, que, cá pra nós, é a coisa mais nojenta do hemisfério sul, parece aqueles velhos encatarrados à beira de de uma escarradeira prestes a se desencatarrarem. O pior é que é uma questão de honra: quanto mais roncado, mais honrado!

Outra vez, sentada em uma palestra na faculdade onde dava aula, aqui na ESPM, fiquei entre embevecida e estarrecida com o ritual de um rapazinho na minha frente que carregava aquelas malas engalanadas de chimarrão com tudo dentro. Pois o cuera não me fez um mate, montadito com erva e tudo, e morrinho e sabe-se la o que mais, em plena palestra, no de-cor-rer da palestra, enquanto o palestrante se desmilinguía lá na frente, ele se enchimarrou completo na platéia? E sem derrubar um grãozinho de erva, uma gotinha de água quente da térmica, no chão! De esvaziar o estoque de butiás! Mas não pode esperar uns minutinhos e fazer lá fora, nos bancos do pátio? Tem que ser dentro do auditório chique da ESPM, com cadeira de veludo, fina, bacana, civilizada? Taquiuspa, viu?

E não vou nem falar nos imprudentes que dirigem carro tomando chimarrão, loucos pra furar um olho com a bomba! Nem tampouco no cartazete que vi no maravilhoso e centenário teatro de Porto Alegre, o São Pedro, com seus chiquerésimos e gigantescos lustres de cristal, teto todo abobadado com pinturas artísticas e delicadas cadeiras de veludo: "proibido entrar com chimarrão e pipoca". Imagino a criatura embonitada, perfumada e maquiada, me saindo com esta: - não esquece o chimarrão, bem! Noujo!

O máximo do me-tapar-de-nojo aconteceu quando fiz uma viagem para o Egito e no grupo tinha um casal de gaúchos. Eu já morava em São Paulo há quase 20 anos, quer dizer, fazia tempo que não convivia com hábitos sulistas. A gente ali, naquele estupor das pirâmides - Quéops, Quéfren e Miquerinos, toda aquela mística atravessada por séculos de reinado - foram construídas em 2700 aC, imagina! - sem palavras para traduzir o encantamento que se apoderava de nossos corações, eis que ouço um ronco que me remeteu ao paralelo 30, sem escalas. Era o casal de gaúchos que não aguentou esperar chegar ao hotel pra tomar (e roncar!) seu chimarrão. Tinha que ser ali, bem na cara da Esfinge de Gizé! Não decifra, não, habiba. Devora logo, sem nem perguntar!

A verdadeira loira é a falsa

De falsa loira a verdadeira loira-platinada

Só ela, entre todas as loiras alemoas, austríacas, suecas ou polacas, escolhe ser loira. Não caiu do céu, não veio com o X + Y, não ganhou de mão-beijada. Plim! Nasci! Não. Ser uma falsa loira é coisa de caso pensado. Sofre-se muito para ser loira. Vendo todo aquele glamour, ninguém imagina. Apesar do imenso repertório popular que depõe contra as loiras, é preciso reconhecer. Ser loira de farmácia - como diz o povo - requer um caráter forte, uma determinação profunda, um estoicismo que só Zenão de Cítio. 

Pois há 32 anos, quando eu tinha 37 e morava em Sampa, após o final melancólico de um longo namoro, decidi que eu queria desmudar. Não mais uma reles castanha-clara, da categoria simplesinha que não fede nem cheira, a pessoa não é, nem é, não chega a ser uma morena, mas também não alcança ser loira. Quase um limbo, eu diria. 

Por isso, decidi dar um chute na genética. E optei. Eu queria ser loira. Mas não uma loira assim loirinha trigo, categoria agua oxigenada 15 volumes, misto de covardia. Já que eu ia mudar de RG, coragem, que fosse uma coisa heavy metal. Pavor de meio-termo! Mornice, eu? Jamé! Eu queria era ser loira roots, mesmo, Blondor aquele do pozinho roxo e a mais terrível das águas oxigenadas: a 30 volumes. Loiraça Belzebua, sabe como? Aliás, uma vez cruzei com uma moça loira e ela, bem simpática, murmurou cúmplice para mim: - ah, você também é loira 30 volumes? Demorei pra cair a ficha (no tempo que as fichas caíam...) Ah!!!

A primeira vez que pintei, o cabeleireiro não acreditou. Falei loira e o cara entendia loirinha. Falei loooooira e o cara entendia cenoura. Falei loira, pô, e o cara, necas! Foi um tal de pinta e repinta e repinta - tudo na mesma tarde -, que eu corri sério risco de ficar careca e o criatura de arrancar os próprios cabelos, porque cada vez que ele lavava a minha cabeça da tintura, ao ver aquele loiro colubiazol (agora eu peguei pesado, hein?) que eles adoram empurrar goela abaixo de algumas clientes - e que meu pai chamava debochando de cabelo tubiano -, eu só fazia que não e repetia: - loiro, criatura! O que mais eu posso dizer pra tu entender? Até que a criatura deu um grito jogando os braços para cima como quem entrega a alma a Deus e foi lá pro fundo se exclamando: - Minha nossa senhora, ela quer loiro pla-ti-na-do!

Simmm! Eu queria aquele loiro lindo da Kim Novak, da Marylin Monroe, até da Doris Day, vá! Deusas que povoaram os domingos de matinés da minha infância e juventude. Agora eu era heroína e o meu cavalo só falava inglês. Eu queria ser Um corpo que cai. Eu queria ser a loira que Os homens preferem. Castanha, agora, era só uma coisa que vinha do Pará. E pronto, deu, não se fala mais nisso!

Rapá, tinha dia que eu ia pintar o cabelo no salão e rezava umas ave-maria antes. Até descolorir o pobre do fio de cabelo são que nascia teimoso na indesejável cor castanho, aquilo ardia, mas ardia e ardia que até o pensamento lá pras bandas do hipotálamo coçava. Mardito Blondor! Aquilo era duma brutalidade sem par: numa tigelinha, misturava-se um saquinho do pó roxo Blondor com agua oxigenada 30 volumes e mexia-se. Era cousa do demônio preparando o fogo do inferno. Começava a borbulhar, nervoso, louco pra assassinar a cor natural do cabelo da pessoa mais louca ainda que se prestava ao satânico ritual.

Acho que segui nessa trilha da loira platinada por uma década, até o dia em que decretei - como dizia minha mãe - o meu sete de setembro e decidi voltar aos velhos tempos de mim e vestir de novo o meu casaco marrom.
Foi bom, também. A alminha imoral assossegou e segui incendiando de outros jeitos. Até o ano da suprema libertação de 2015, quando - já em Porto Alegre - decidi deixar o meu cabelo branco. Finalmente eu era de novo uma loira-platinada. Só que natural, sem Blondor e sem o menor sofrimento. 
Nada como o tempo pra gente ser feliz sem doer. Né?
( Graça Craidy)
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Arte é política












Outro dia tive um pequeno embate com alguns colegas das artes que defendem a higienização e assepsia da arte, alegando que ela deve ficar totalmente afastada da política, que arte não é de esquerda nem de direita, que política é uma coisa e arte outra e, principalmente, que devemos como grupo ficar longe da crítica das questões que envolvem a nossa realidade, seja política, econômica, cultural, sob pena de recebermos a pecha de petistas, lulistas, esquerdopatas e quetais.

Houve um momento, inclusive, que entrou em discussão a gigante mundial Greenpeace categorizada por eles como "político-partidária" - essa foi a expressão usada pelo colega - portanto, ele entende, não se deve debater nada com essa instituição, já que ela estaria comprometida com algum perigoso partido. Imaginei logo que fosse o partido das aves, das árvores, das águas, dos animais, dos biomas, enfim.

Diante do meu espanto, ouvi um indignado: Michelangelo era de esquerda? Leonardo da Vinci era de esquerda? Arte não é de esquerda nem de direita, proclamou bufando o meu litigante que aproveitou o ensejo e - cheio de razão como só os ignorantes ousam -  me mandou buscar informações para entender melhor.

E eu fui.

Pesquisando sobre o tema, encontrei um estudo primoroso sobre um texto do filósofo Adorno, como se sabe, um respeitado estudioso da cultura, que em sua chamada Teoria Estética (1969) não só  afirma que toda arte é política como identifica na esfera cultural a melhor instância da conscientização.

No artigo assinado pela filósofa Priscila Arantes, formada pela USP, a autora diz que, para Adorno, a estética é a única forma que nos resta para criticar o sistema social, uma vez que o sistema como um todo estaria dominado pela falsidade, expressão de uma pretensa harmonia que a ideologia burguesa finge existir:
- “é aqui, na obra de arte, que se preserva uma pequena área de verdade, aqui a crítica ainda é possível e é aqui que ela precisa ser feita” .

Adorno, segundo Arantes, preocupa-se com a arte deixando de ser o que é, de autônoma para se transformar em mercadoria, de cultura para se tornar valor de troca.

Na opinião adorniana,  a arte deve ser crítica, deve ser protesto contra a sociedade. E a tentativa de toda a Teoria Estética será então recuperar o caráter crítico da arte, único meio de ela continuar existindo, de passar de mera mercadoria, a ser de novo o que era antes: manifestação cultural.

Voltando aos colegas que desacreditam da relação arte-política, quero ressaltar que a História da Arte está repleta de exemplos de artistas que cederam seu talento à crítica, no passado e no presente.

O francês Delacroix e sua épica obra Liberdade entrega a vitória do povo francês contra um jugo real. O espanhol Picasso e sua deslumbrante Guernica entrega o abominável bombardeio alemão em conluio com os fascistas. O mexicano Diego Rivera entrega a opressão do invasor branco europeu sobre o povo nativo mexicano. A alemã Kathe Kollwitz entrega a fome, a viuvez e o desamparo que a guerra promove entre as mulheres e crianças. A sul-africana Marlene Dumas entrega a perseguição aos negros, na Africa. O brasileiro Cildo Meirelles entrega o real valor dos índios no Brasil: zero. O britânico Banksy entrega as barbáries da guerra sobre a humanidade. O brasileiro Portinari entrega a miséria do nordeste tupiniquim. O espanhol Goya entrega o fuzilamento de cidadãos inocentes. O chinês Weiwei entrega o descaso com refugiados. O brasileiro Gil Vicente entrega a impunidade dos poderosos. O francês Auguste Rodin entrega a rendição voluntária de seis ilustres cidadãos de Calais aos ingleses. O brasileiro Danubio Gonçalves entrega os horrores das charqueadas gaúchas e da escravidão. O holandês Hieronymus Bosch entrega os prazeres da carne a que os homens ambicionavam, impedidos pelas proibições religiosas.

Assim sendo, a próxima vez que formos discutir o assunto, sugiro que, como bons pesquisadores, partamos desse patamar, desse estado de arte, onde está provado e emoldurado que arte - como tudo, aliás - tem a ver, sim, com política.

O contrário é a alienação.

Fonte: http://revistaprincipios.com.br/artigos/40/cat/1662/arte-e-cr&iacutetica-social-em-adorno-.html

Receba as flores que te dou

Eu não sou ninguém pra falar, mas dado que volta e meia alguém me honra dizendo que quer fazer aula de aquarela comigo, vou me meter de pato a ganso e dizer umas coisinhas e outras.
Não. Aquarela não é algo que você devesse fazer se não gosta de desenhar. Porque - sim - aquarela tem a ver com mancha, mas, principalmente, tem a ver com gesto, ainda que gesto delicado. E gesto, antes de qualquer coisa, é desenho.
Não. Você não precisa se agarrar no pincel da aquarela como se fosse um lápis ou bóia salva-vidas, nem movimentá-lo tão cauteloso como se estivesse assinando uma escritura no cartório. Aliás, eu diria até que o verbo mais interessante para um pincel de aquarela é desagarrar, quase soltar, quase deixar ele seguir sozinho papel afora, comandante do seu pensamento poético visual.
Aquarelar não me parece ser pra gente guardada demais que adora transitar entre fronteirinhas muito bem demarcadas. Aquarelar é queimar a amarelinha com o pé, é transbordar de si e borrar os limites mostrando a língua para o certo, o correto e o deja vu. Ok, conheço alguns aquarelistas quase monges, mas cá pra nós, acho que a aquarela é tipo um espaço de seu alter ego onde eles se lambuzam do pecado da cor e da fluidez.
Aceite. Não é você que manda na aquarela. Ela é que manda em você. Así que, relaxe, meu bem, e entre no barquinho disposto a marolar e inclusive mergulhar se a canoa virar.
Pra mim, os aquarelistas se dividem entre os que seguram o pincel da metade pra baixo, agarraditos no más, crentes que mandam no pedaço, e os que seguram o pincel da metade pra cima, sabedores - como Paulinho da Viola - de que não é a gente que se navega, quem nos navega é o mar.
Eu, por exemplo, sou daquelas que segura o pincel da metade pra cima, mal e mal tocando no bichinho, pra ele nem notar que sou que estou ali a querer ensinar o caminho.
Não. Eu me ponho ali em cima feito passarinho no fio e fico levinha levinha esperando o vento me empurrar com a delicadeza de uma brisa de verão no mar da Bahia, empurra não empurrando, sabe como?
Quando eu aquarelo, me liquidifico. Sou água, água e deslizo suavemente pra lá e pra cá no papel, me rindo por dentro de imaginar pra onde aquilo tudo vai me levar.
E leva! Toda vez que me despreocupei com o porto de chegada, a viagem só me deu alegria. E água e água e água e desaforo de sim e de não pode, pode sim, até dar o clique
de que chegamos, afinal.
Às vezes a viagem é mais longa e mais lenta, outras é uma vertigem, quando foi, deu. Aceite que cada uma tem seu tempo. Minha mestrinha querida Ana Lovatto me domou só sussurrando uma única palavra: - sutileza, Graça!
Sei que muitos dos meus colegas e mestres vão me desdizer palavra por palavra, garantindo de pé junto que aquarelar é exatamente tudo que eu falei, só que ao contrário.
Pode ser, pode ser. Cada um deveria ter o direito de encontrar o seu próprio caminho na aquarela, assim ou assado, frito ou cozido. Só não concordo com aquarela apertada nas paredes do lápis, com pincel agarrado com força bruta, com o medo de "não ficar igual". E também não concordo que uma vez dado, o gesto da aquarela não pode voltar atrás. Pode, sim. Desde que você trabalhe sobre papeis com pelo menos 300 g. Deixa secar e começa de novo. E se não curtir, convide o senhor nanquim, o senhor pastel oleoso, o senhor lápis de cor pra participar.
Penso, como o mestre espanhol Miguel Coronado, que toda pintura tem que ir muito mais "allá de la realidad".


( Graça Craidy)

Palmas para Ana Luiza Bergmann

Neste fim-de-semana, Porto Alegre foi tomada pela poesia e pela brutalidade. 

De um lado, uma grande atriz do teatro gaúcho que se reapropria da nossa bandeira sequestrada pelos seguidores do que-diga e a desfralda em lugar sagrado - a Igreja das Dores, das nossas dores - clamando valentemente pelo expurgo da praga que assola o Brasil: o abominável bz. 

Ao mesmo tempo, em sua performance, ela fala em nome das mulheres índias abusadas, raptadas, oprimidas, personagens da peça que representou, em janeiro agora, no teatro Carlos De Carvalho, de nome Terra Adorada, onde repete a mesma cena da bandeira, denunciando o rapto e o abuso de centenas de mulheres índias pelos invasores do RS que as "laçavam" como animais e as levavam feito suas propriedades. 

Ana Luiza Bergmann é atriz teatral, professora de teatro e acaba de conquistar seu Mestrado em Artes Cênicas, pela UFRGS. 

Muita gente não entendeu, confundindo sua performace com a manifestação bolsonarista, por conta da - veja só! - bandeira. Os moralistas de cuecas torceram o nariz. As invejosas de sempre acharam feio. Os machistas de penis eretos a chamaram de baranga, tentando mais uma vez culpar a mulher pelo seu desejo e desfazer da sua capacidade de dizer e de pensar . 

Os bolsonaristas - brutos como sóem ser - foram além: tentaram bater nela e, em não conseguindo, esmurraram suas colegas e amigas, tirando sangue dos seus rostos com suas patas gigantescas, envergonhando todas as pessoas de bem. E pior: alguns a estão ameaçando de morte, um inclusive oferece recompensa! Arreda! Que o belo do bem vença essa feiúra disforme que nos ronda. 

Vade retro, capetão ! Viva Ana Luiza Bergmann!

(Graça Craidy)

Vender ou encantar?

Volta e meia - muito mais volta e meia que a minha paciência gostaria - alguém me cobra, com os olhos embaçados pela luxúria da mercadoria: - exposiçao, ok...mas, estás vendendo? Como se vender fosse a medida do sucesso de um artista. Como se vender fosse a função maior da arte. Como se vender fosse a vontade maior que movesse um artista. Depois de suspirar e respirar bemmm fundo, respondo que não. (Para a total decepção do interlocutor!) Respondo também que vender não é a minha meta. A minha grande meta, o meu desejo maior, a minha mais ambiciosa pretensão é tocar o Outro, encantar o Outro, mexer com o sentido do Outro, bolir no pensamento do Outro. Empurrar amorosamente o Outro pra dentro de si. Fazer o Outro se encontrar consigo mesmo no desvão da minha arte. Levantar questões que não estão sendo faladas. Chamar atenção para o não-dito, o não-visto, o não-mostrado. Encantar com a beleza das coisas do mundo. Encantar com a feiúra das coisas do mundo. Esse é o meu grande barato. Por isso gosto tanto de expor e por isso que exponho tanto. Só nos últimos 4 anos foram 45 exposições, das quais 20 individuais. Eu gosto de estar em contato com o Outro, gosto de fazer uma arte que é entendida por qualquer um que queira frui-la, gosto de praticar uma arte de compreensão sem pre-requisito. Venho da comunicação. Pra mim, toda mensagem emitida deveria poder ser decodificada pelo receptor, sem mistérios. Quanto a vender, bueno, de vez em quando até vendo e é bem bom. Cai que nem uma luva pra pagar algumas continhas. Só fico pensando, lá no fundão, que aquela obra vai ficar escondida, guardada, nunca mais vou ve-la, snif! Mas, enfim, também é mais dinheirinho pra comprar mais tinta, mais tela, mais material pra continuar a fazer o que amo. Tocar o Outro com a minha arte. Capice?
( Graça Craidy)

Identidade: Humana

EU SOU MULHER, NEGRA, AFRICANA, MAS A MINHA MELHOR IDENTIDADE VEM DE SER HUMANA. Assim começou o discurso da maravilhosa Graça Machel, moçambicana que inaugurou nesta segunda-feira o Fronteiras do Pensamento 2019, na Reitoria da UFRGS, e foi Ministra da Educação, na África, duas vezes: uma no governo de seu primeiro marido Machel, em Moçambique, outra no governo do seu segundo marido, Mandela, na África do Sul.
Graça Machel é uma humanista fantástica formada em Lisboa, que se vale das palavras sem metades, para dizer o que quer. É reta e direta. Falou que veio aqui para nos falar de coisas simples, porque a humanidade está precisando retomar o básico. O básico é reconhecer que somos todos iguais, independente da cor da pele, do sexo, da condição socioeconômica. E que todos merecemos o direito à dignidade contido no direito à igualdade. Que somos todos de uma grande e mesma família: a família humana. E que as nossas diferenças devem servir para nos enriquecer na troca, não para criar hierarquias.
Ela alerta para a ganância do homem que não se satisfaz com o suficiente e se mete numa empreitada desumana de acumulação que só tem trazido desigualdade e guerra e exacerbações do poder de uns sobre os outros. E que a pior das guerras é a contra a natureza, que se mostra "zangada" e nos avisa que pode acabar já já com o futuro dos nossos netos.
Graça Machel alerta ainda para a desigualdade das mulheres em rigorosamente todo o planeta, até nos países mais desenvolvidos: - "ninguém pode se gabar de haver acabado com a desigualdade das mulheres", ela lamenta, lembrando que ainda hoje - mesmo na Escandinávia - os salários homem/ mulher são diferentes, quando ambos cumprem a mesma função. "Só porque é mulher!"- ela enfatiza. E repete: "Só porque é mulher!".
Machel diz que ficou horrorizada com o corte anunciado nas nossas universidades federais, que jamais se deve podar a fonte do conhecimento, fonte também do potencial acesso à igualdade. Ela aconselha que nos juntemos em movimentos sociais e reivindiquemos e realizemos nossos anseios de igualdade e justiça. "Os donos do país somos nós, o povo, nós pagamos impostos para que nossos filhos sejam alimentados, tenham escola, saúde. Então, vamos unidos dizer para aquelas pessoas que estão lá - eleitas por nós-, que é assim que queremos, ou que não é assim que queremos. O apartheid foi derrubado com movimentos sociais," ela lembra.
Ela lamenta também a invisibilização do negro no Brasil, onde metade da população é de origem africana: "não são apenas males sociais - ela sublinha -, mas distorções profundas da igualdade que precisam mudar."
Ela fala muito em dignidade, dignidade é inviolável, indignidade é intolerável. "Quando os outros seres são tratados como coisas, privados da sua própria dignidade, é a nossa dignidade, como seres humanos, que é esmagada."
E, para finalizar, perguntada sobre o que ela aprendeu sobre poder quando partilhou os mandatos com dois grandes líderes como Machel e Mandela, Graça Machel respondeu que o verdadeiro poder deles vinha de sua humildade e de sua autoridade moral e que ambos consideravam o poder como nada mais que uma oportunidade de servir. ( Mandela, acredito, mais pacifista que Machel.)( A plateia aplaudiu Graça Machel de pé.)

Abundância



Alguns amigos meus ficam aflitos com o tanto de exposições que tenho feito, me aconselhando amorosamente a diminuir o ritmo. Então eu explico: são coleções que eu levei anos fazendo. Não foi de ontem para hoje. A coleção Livrai-nos do Mal, com 50 quadros sobre violência contra a mulher, por exemplo, levei 3 anos pintando. São mais de 1000 dias!  A coleção Ícones, venho fazendo desde 2012. São 5 anos de trabalho. Mais de 1800 dias.  Portanto, ninguém precisa se afligir. É construção cotidiana. Não é fábrica - como disse alguém. É elaboração, pesquisa, tentativa, erro, acerto. É a doce lida da arte que me fez ainda mais visceral, plural e compulsiva do que sempre fui. Sei que existe uma ala do mundo das artes que prefere se guardar e só se mostrar quando tudo estiver perfeito, nos trinques, brilhando. Acho bacana. Respeito. Mas eu sou da outra ala. Mais quântica. Passado, presente, futuro, tudo junto agora.  E também não acredito muito em perfeito-nos trinques -brilhando. Além disso, vou completar 66 anos daqui a um mês. Sinceramente, você acha, mesmo, que eu tenho tempo pra me guardar para a eternidade?
(Graça Craidy)

Bravos negros do RS

Li que, na época da escravidão no Brasil, os negros que foram mandados para o Rio Grande do Sul eram escolhidos a dedo entre os que mais fugiam, os que mais se rebelavam, os que mais desobedeciam. E que serem transferidos para cá era uma espécie de castigo, de punição por sua não conformidade com a condição de escravos.
Li também que, justamente por isso, por sua sabida valentia e espírito de luta, eram mantidos em duro controle por feitores e mandaletes e que havia nos ambientes de trabalho - como nas charqueadas, por exemplo, tão bem retratadas por Danubio Gonçalves - uma altíssima tensão entre os opressores e os oprimidos, dado que a qualquer momento poderia irromper uma revolta e os negros escravos, armados de seus instrumentos de trabalho cortantes e letais, atacar aqueles que os dominavam.
Li ainda em pesquisa sobre a mulher escrava no Rio Grande do Sul, através da análise de Boletins de Ocorrência da época, que muitas reagiram com violência aos maus tratos de seus patrões, inconformadas com tanto trabalharem para nada receber além de opressão.
Li também que só no Rio Grande do Sul existem hoje 130 quilombos, como todos sabem, as comunidades fundadas por escravos fugidos que funcionavam como pequenas aldeias autossuficientes em alimentação e protegidas dos capitães do mato.
Li , claro, sobre os Lanceiros Negros, bravo batalhão de soldados negros que lutou pelos Farrapos em troca de alforria e foi traído e dizimado por seus contratantes na Batalha dos Porongos.
Li, da mesma forma, que o chamado Dragão do Mar, escravo almirante que liderou a Revolta das Chibatas, em 1910 (21 anos depois da abolição, portanto) contra a punição dada pelos oficiais brancos da marinha aos marinheiros de baixa patente, a maioria negro ou mulato, era o gaúcho João Cândido Felisberto, nascido em Encruzilhada do Sul, imortalizado na música Mestre-Sala dos Mares, de Aldir Blanc e João Bosco.
Diante de tantas manifestações de grandeza e bravura, e conhecendo hoje muitos dos seus descendentes, na música, na arte, por onde transito - como a imortal e brava Magliani -, chego à conclusão que os negros gaúchos são muito valentes porque sua descendência foi forjada na rebeldia histórica dos seus antepassados.Seus herdeiros trazem no sangue essa inconformidade com a desigualdade e com a opressão.
E assim, lembrada pelo grande Aldir, renovo minha admiração e canto também: - Salve o navegante negro que corre no sangue de cada negro gaúcho herdeiro de sua valentia, montado na sua razão.
( Graça Craidy)

SOU FEMININA, NÃO FEMINISTA

Cada vez que escuto esta frase bonitinha pero equivocadinha, me dá um desgosto profundo, de ver quão enganadas estão as manas que separam o ser feminina de ser feminista, como se fossem coisas diferentes, antagônicas, como se feministas fossem de um outro reino que não o das mulheres. 
Ser feminista é ser a favor dos direitos das mulheres, em defesa das mulheres, pela integridade e proteção das mulheres. Ser feminina é intrínseco a ser mulher. 
Ora, se você é mulher e preza sua liberdade, você é feminista. Se você é mulher e entende que seus direitos são iguais aos dos homens, você é feminista. Se você não concorda que mulher deve ganhar menos que homem, você é feminista. Se você é contra feminicídio e violência contra a mulher, você é feminista. Se você é a favor do voto feminino, você é feminista. 
Ser feminista não é, como querem seus detratores, ser contra os homens. Ora, por que seríamos contra os homens? Nós adoramos nossos homens, nossos bons homens, nossos amados homens. Somos contra os homens machistas, misóginos, que abusam, assediam, violentam, estupram, espancam, maltratam, desrespeitam. Você que se diz feminina mas não feminista certamente também é contra esse tipo de homem. Ou não?
 Toda vez que escuto uma mana dizer que não é feminista, fico com vontade de contar para ela que se hoje ela tem autonomia, pode estudar, trabalhar fora, morar sozinha, usar a roupa que quer, votar, ser dona do seu nariz, viajar, se comandar, exercer a profissão que quiser, é graças aos movimentos feministas que lutaram por esses direitos. 
Se não fossem elas, essas femininas guerreiras que se dão valor e que nos dão valor, até hoje estaríamos dentro de casa, tapadas até o pescoço, cozinhando, lavando, passando e parindo, funções que os homens nos reservaram através dos séculos, para preservar suas propriedades e seus herdeiros. 
Se não fossem as femininas feministas, estaríamos trancadas em hospícios e mosteiros, cada vez que ousássemos dizer não para nossos pais, nossos irmãos e nossos maridos. 
Não votaríamos, com certeza, pois éramos consideradas inferiores e estúpidas, indignas de escolhermos quem nos governar. O Correio do Povo, naquele ano de 1930, publicou uma reclamação quando as mulheres lutavam pelo voto: "O que elas querem, afinal, votar duas vezes? Pois se seus maridos já votam!"...
Graças às feministas femininas, que lutaram pelo voto feminino em 1930, no Brasil, hoje milhões de mulheres podem, por exemplo, dizer não para aquele-um que nos considera fruto de fraquejada, entre outros desrespeitos, no lugar mais eficiente para dizer não a um mau homem público: nas urnas. 
Assim que, manas femininas, pensem duas vezes antes de repetir essa frase inventada por alguém muito superficial que provavelmente gosta mais de fazer trocadilho do que de vocês, mulheres maravilhosas. Beijos, minhas belas! ( Graça Craidy)
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Com quantos Zaragozas se faz um Zaragoza?

Criador e modelo 

Das Belas Artes aos multizaragozas

" Pra ele, tudo na vida é uma folha em branco à espera de idéias novas."

Alex Periscinotto, publicitário, sobre José Zaragoza (2003)

 A julgar pelos jornais e revistas do Brasil, há pelo menos quatro Zaragozas no mesmo José. Primeiro Zaragoza, o artista plástico, que já expôs em duas Bienais (1963 e 1967), no Masp e no Museu de Arte Brasileira ( FAAP), em São Paulo, além de mostras em Paris, Barcelona, Nova York, Tóquio e Helsinqui, e em sua mais recente exposição no Brasil, Zaragoza - Meio Século - Revisão ( 2005), no Museu Brasileiro de Escultura de São Paulo, registrada também em livro do mesmo nome, que reúne 18 obras de diferentes fases dos 50 anos de sua carreira artística, com as séries Pássaros, Chaves e Antúrios. A mídia reportou:


Zaragoza reuniu no Museu Brasileiro da Escultura,o MUBE, um interessante painel da sua obra, com trabalhos de vários períodos e estilos. De retratos dos filhos a murais abstratos que revelam crítica social e política.(...) Hemingway dizia que ter passado pouco tempo trabalhando como jornalista foi o que salvou o escritor dentro dele. Para a sorte da publicidade e da arte brasileiras, Zaragoza não precisou sufocar nenhum dos seus talentos. (CIAFFONE, 2005).

O segundo Zaragoza é o ilustrador, freqüentador assíduo das páginas de revistas que fizeram um pouco da história do Brasil nos anos 60, 70 e 80, como a Senhor, Claudia e Vogue, acompanhando com seus traços as tramas de Scott Fitzgerald, Johann W. Goethe, Arthur Miller, Somerset Maugham, Ray Bradbury e Pearl Buck, entre outros, e mais as rimas de Rimbaud, no jornal O Estado de São Paulo, com manchas e desenhos treinados tanto nas lides do Zaragoza artista plástico como nas do terceiro Zaragoza: o publicitário, que começou sua carreira na década de 50, quando a publicidade ainda requeria profissionais com talentos artísticos para manchar layouts à mão, à base de guaches e ecolines, definindo tanto o visual das peças como o título, cada letra desenhada, uma a uma, com pacienciosa perfeição maquinística.

Artista plástico com vários livros
Na opinião de seus pares publicitários, Zaragoza tem tamanho talento no trato do desenho e da pintura, que o redator Neil Ferreira, seu dupla por quase duas décadas, na DPZ, em depoimento no livro Layoutman ( 2003) rememora:

Quem era o assistente do Z? O produtor gráfico do Z? O fotógrafo do Z? Oras, o próprio Z.(...) Como ele amava o que fazia com as próprias mãos. Um dia o peguei falando para uma de suas mãos: " Menina, um dia ainda te peço em casamento". ( FERREIRA, In ZARAGOZA, 2003: 20-22)


Seu sócio, Roberto Duailibi, o D da DPZ, que o considera "o maior de todos", relata como fazia valer o talento de Z junto aos clientes:

De tal maneira eram os layouts de Zaragoza uma obra de arte que eu recomendava ao pessoal do atendimento que, ao apresentá-los, fizessem como eu: " segurem o layout como um marchand mostra um grande quadro de um excepcional artista, com respeito e até reverência". (DUAILIBI, In ZARAGOZA, 2003:14-18.)


Zaragoza publicitário é o Z da agência DPZ, uma das 15 maiores agências de publicidade do Brasil, fundada em 1968 e das poucas ainda com 100% do capital nacional. Premiado diretor de arte de campanhas famosas como a do Leão do Imposto de Renda (78), do Baixinho da Kaiser ( 82), entre outras, ele iniciou sua carreira na publicidade como assistente do chefe de arte inglês Eric Nice - chamado mestre por toda uma geração de diretores de arte - em 1953, na agência J.Walter Thompson, em São Paulo, a quem teria ido mostrar sua pasta, meio ano depois de chegar ao Brasil, com desenhos e ilustrações do tempo em que era um rapazola na Catalunha, estudante da Escola de Belas Artes Las Lonjas de Barcelona.


Quase dez anos depois do seu début na chamada mãe das agências americanas, Zaragoza fundaria um dos mais respeitados estúdios de arte publicitária e design da época, no mercado paulistano - a hot-shop Metro 3, espécie de boutique em pré-estréia da DPZ - junto com Francesc Petit, o P da DPZ, também artista plástico, também diretor de arte, também espanhol e, mais que espanhol, catalão, como o próprio Zaragoza (nascido em Alicante mas criado em Barcelona). O consagrado arquiteto e designer gráfico paulista Ricardo Ohtake ( 1998), diretor do Instituto Tomie Ohtake (SP), que foi Secretário de Estado da Cultura de São Paulo e diretor do Centro Cultural São Paulo, do Museu da Imagem e do Som - MIS e da Cinemateca Brasileira, inclui a Metro 3 de Zaragoza e Petit em um seleto rol de nomes no design brasileiro considerados por ele como "de grande envergadura":

Os 40 anos que separam a formação dos primeiros escritórios de hoje viram (...) o desenvolvimento de trabalhos de grande envergadura com Wollner, João Carlos Cauduro -Ludovico Martino, Aloísio Magalhães, Metro 3 (Carlos (sic) Petit e José Zaragoza) (...) (OHTAKE, 1998.)
A DPZ e OS DPZs

Quarto Zaragoza: sétima arte, sétima década. Em 1999, às vésperas de completar 70 anos, Zaragoza prestou a sua homenagem à São Paulo caótica da pós-modernidade, a quem ele diz amar com profunda gratidão por tudo o que a cidade lhe deu - trabalho, família, amigos e sócios : " São Paulo deu-me oportunidade de viajar pelo mundo e na volta sentir aquela doce alegria de quem retorna ao lar", ele declarou em entrevista a Gisele Centenaro, Mara Vegso e Rafael Sampaio, da revista About. (2001.)


Seu longa-metragem Até que a vida nos separe ( 1999), estrelado por Murilo Benício, Betty Goffman, Norton Nascimento, Marco Ricca, Alexandre Borges e Julia Lemmertz, tem roteiro dele em parceria com o roteirista mais requisitado do Brasil, Leonardo Serran, o mesmo de Gabriela, A estrela sobe, O que é isso, companheiro, Dona Flor e seus dois maridos. O filme trata da solidão da grande cidade no mundo yuppie, onde a amizade atenua o vazio de vidas focadas em consumismo, aparência e ambição, abordando a dissolução da família, a adolescência prolongada, entre outros aspectos. Conta a história de seis amigos em torno de 30 anos, solteiros e independentes, exemplos do sucesso numa sociedade capitalista, segundo a sinopse da Warner.


A crítica ao filme variou de temperada a fria. Para o jornalista Ivan Claudio ( 1999), da Istoé, o filme "impressiona" e "é uma crônica bem conduzida":

José Zaragoza, um dos donos da agência de publicidade DPZ, também artista plástico e agora cineasta, fez questão de que seu primeiro filme, Até que a vida nos separe – em cartaz no Rio de Janeiro e em São Paulo –, ficasse visualmente o mais distante possível da estética publicitária. Quem, portanto, estiver esperando um desfile de imagens filtradas e poses afetadas ou, então, um clima de passarela que inunda as obras moderninhas vai se surpreender com uma crônica bem-conduzida sobre as alegrias e os dissabores de um grupo de amigos paulistanos de classe média. (...) Embora Zaragoza não consiga driblar certos vícios visuais e narrativos, seu filme impressiona. ( CLAUDIO, 1999)
Todos os dias ia na agência e no atelier

Já para Kleber Mendonça Filho, crítico do site Cinemascópio, o filme é "sub-escrito e sub-desenvolvido", com "diálogos raquíticos" e uma cena final que ele chama de "mico estilo Cinco Mosqueteiros":

José Zaragoza provavelmente trabalhou em cima de uma verdade muito pessoal ao realizar seu primeiro filme (...) O problema é que a idéia de Zaragoza para uma visão romântica e moderna de um personagem interagindo com a cidade é, por exemplo, um homem tocando saxofone no terraço do seu super apartamento, com a cidade brilhando ao fundo, estilo Los Angeles/Blade Runner. Talvez desde Um Trem Para As Estrelas, de Cacá Diegues, nos longínquos anos 80, que não via-se imagem tão destituída de significado e carregada de uma presunção tão atrasada. (MENDONÇA FILHO, 1999.)

Zaragoza lembra que não é o primeiro publicitário a se arriscar nas hostes do cinema, reportando-se aos ingleses Alan Parker ( Mississipi em Chamas), ex-redator publicitário, e Ridley Scott ( Blade Runner), diretor do premiadíssimo comercial 1984 ( Apple Macintosh), mas confessa não gostar do próprio filme e prepara-se inclusive para rodar seus próximos longas, um de nome A Pedrada, outro sobre sexo nos bastidores da igreja.

Quando estagiou na NBC, em Hollywood, nos idos de 1956, época em que trabalhou na J.W.Thompson de Nova York, Zaragoza conta que cruzou com Martin Scorsese nos estúdios e escutou do diretor ítalo-americano ( O Aviador, After Hours, Goodfellas, Gangues de Nova York) a mesma coisa: Scorsese, como ele, também não gostava dos próprios filmes.

Haja capital simbólico para tanto capital cultural. Evidentemente, Zaragoza aqui se apropria da legimidade de um cineasta consagrado para justificar a sua ausência de sucesso, escamoteada pelo pretenso descaso de " não gostar do próprio filme".



De catalão andaluz a verde-amarelo




Com Neil Ferreira, seu redator por 18 anos.
José Maria Martinez Zaragoza, conforme a tradição espanhola, carrega no final  do nome o sobrenome materno, adquirido no dia 14 de julho de 1930, em Alicante, Andaluzia, sul da Espanha, terra dos seus pais, avós e dúzias de tios e tias, para onde sua mãe voltava, de Barcelona, a 200 km, toda vez que ia dar à luz. Embora confesse adorar as lembranças vividas no sul com a buliçosa família da mãe que tinha 12 irmãos e uma irmã e principalmente com o avô, fazendeiro, a quem ele se diz muito ligado, pois volta e meia era mandado pela mãe à sua casa na fazenda em Alicante, para que o protegesse dos bombardeios de Franco em Barcelona, Zaragoza assumiu, mesmo, Barcelona e a Catalunha como sua terra natal, pois lá virou menino, rapaz e homem. Apesar dos duros tempos do franquismo imperando truculento desde que el niño José tinha 6 anos, povoando seus pesadelos de infância, quando perdeu oito de seus 12 tios - todos da Brigada Vermelha, ele conta - torturados e mortos ou fuzilados pelo regime franquista, sem falar nas bombas:

Barcelona, durante a Guerra Civil Espanhola, era uma cidade visada pelas forças do Franco e foi muito bombardeada.(...) Vivi a guerra dos seis aos nove anos. Lembro da noite em que caiu uma bomba na casa do vizinho, e acabou destruindo a nossa. Vi minha irmã voando contra a parede. ( ZARAGOZA, 2001)


O fato de Zaragoza assumir-se catalão denuncia valioso capital simbólico e cultural representativo da histórica luta de uma nação por sua autonomia como tal, em um surpreendente nacionalismo ressaltado por Manuel Castells no volume 2 da série A era da informação: economia, sociedade e cultura. O poder da identidade

( 2002: 64), quando analisa as razões de tão forte sentimento de pertença à terra, à língua e à cultura, entre os catalães.

Segundo Castells (2002), uma das causas da insurreição que gerou a Guerra Civil Espanhola ( 1936-1939) teria sido a aprovação, pelo governo republicano espanhol, de um Estatuto de Autonomia (1932) - reivindicado por referendo popular - que restituía à Catalunha suas liberdades, um governo independente e a autonomia linguístico-cultural, privilégios com os quais os revoltosos do Generalíssimo não concordavam. Finda a Guerra e vencedor, Franco teria passado a reprimir sistemáticamente tudo o que fosse catalão, da cultura a seus líderes, inclusive eliminando professores falantes do catalão das escolas, para que a língua acabasse se extinguindo naturalmente, enfraquecendo a nação. Mas, parece, só serviu para alimentar ainda mais o nacionalismo catalão, eleito ícone-mor de resistência a Franco:


Como movimento de reação a essas medidas repressivas, o nacionalismo tornou-se um grito de guerra para as forças contrárias a Franco na Catalunya, a exemplo do que ocorreu no País Basco, a ponto de todas as forças políticas democráticas, de democratas-cristãos a liberais a socialistas e comunistas, passarem a ser nacionalistas catalães. ( CASTELLS, 2002: 64)


Diretor de arte premiadíssimo, escola para os que vieram depois
Outro aspecto importante da língua atrelada à condição de nação deve-se ao alto nível de industrialização de Barcelona na segunda metade do sec.XX, diz Castells ( 2002:66), que atraiu milhares de migrantes pobres do sul da Espanha, em busca de trabalho. Para que não se criassem guetos culturais geradores de rupturas na sociedade, principalmente entre classes sociais, o governo catalão estabeleceu, com a Normalização Linguística de 1978, o ensino da língua em todas as escolas, essa integração pela língua tornando catalão todo aquele que vive e trabalha na Catalunha e que esteja disposto a ser catalão. Ou seja - reforça Castells ( idem) - " estar disposto a sê-lo é justamente falar a língua".

Manuel Castells ( 2002), ele próprio um catalão, afirma ainda - ao contrário do jamaicano Stuart Hall ( 2000:109) o qual diz ser a identidade, sim, um processo " de natureza necessariamente ficional" - que a propalada identidade catalã " não é uma invenção" :

Na condição de uma comunidade cultural organizada em torno da língua e de uma história compartilhada, a Catalunya não representa uma entidade imaginada, mas sim um produto histórico constantemente renovado. ( CASTELLS, 2002: 67)


Esse produto histórico, que o autor chama de " catalanismo" e identifica com as aspirações históricas de uma "burguesia industrial frustrada", segundo ele, remonta ao ano 988, na luta de uma região-corredor de-para o Mediterrâneo, com o intuito de barrar a invasão árabe e manter protegido um império basicamente comercial, governado pela aliança entre a nobreza e as elites mercantis urbanas. Exceção feita - ressalta Castells ( idem) - somente quando o rei Fernando da Catalunya, Valencia e Aragão casou-se com Isabel, a rainha de Castela ( sec.XV), dando origem, séculos depois, à invasão e conquista da Catalunha, em 1714, pelo exército de Filipe V da dinastia Bourbon, derrota que o povo catalão comemora até hoje, tal como os gaúchos festejam a sua fracassada Revolução Farroupilha:


Durante pelo menos mil anos, uma determinada comunidade humana, organizada fundamentalmente em torno da língua, mas também dotada de significativa continuidade territorial e uma tradição de governo autônomo e democracia política autóctones, identificou-se como nação, diante de diferentes contextos, lutando contra adversários distintos, fazendo parte de Estados diversos, contando com seu próprio Estado, integrando imigrantes, suportando humilhações ( comemorando-as, na verdade, todo ano) e ainda assim, continuou existindo como Catalunya. ( CASTELLS, 2002: 67)


Dessa breve narrativa da história catalã, no contexto da trajetória de José Zaragoza, pode-se depreender pelo menos duas coisas: uma, que o fato de alguém nascer catalão já o equipa, em habitus de diferir - por elevada auto-estima e capacidade de resistência - a um degrau acima se comparado com seus modestos pares layoutmen no Brasil dos anos 50; duas, que o mais tarde assumido nacionalismo brasileiro de Zaragoza em seus posicionamentos históricos à frente de movimentos que revolucionaram a publicidade e a criação publicitária brasileira provavelmente advém de um dna cultural catalão embutido em sua personalidade. Perceba-se aqui como ele assume o Brasil feito fosse realmente a sua terra natal, 23 anos depois de imigrar ao Brasil, em 1975, quando fala sobre a fundação do Clube de Criação de São Paulo, do qual foi o primeiro presidente:


Eu e o Palhares, na DPZ, mais um monte de gente, como o Hans Damman, estávamos de saco cheio da propaganda mundial. Percebemos então que era necessário resgatar a linguagem realmente nacional, o humor brasileiro. Era preciso parar de copiar, de adaptar os filmes estrangeiros e resgatar o que era nosso ( grifo nosso). ( ZARAGOZA, 2001)


Inquieto, estava sempre buscando novos modos de fazer
Um pouco antes de fundar o Clube, no mesmo ano de 1975, Zaragoza, junto com seu redator J.A. Palhares Neto, angustiava-se - segundo o jornalista Armando Ferrentini, do caderno Asterisco ( Diário Popular/SP) - com a procura de novos rumos para a criação, imaginando uma linguagem mais simples para a publicidade brasileira, uma " espiritualidade" mais nacional, sem a sofisticação importada dos Estados Unidos, inspirada anteriormente no bill-bernbachiano humor judeu:

Evitar a linguagem construída para o epathè, ou para ter uma piadinha, onde se faz um anúncio ou uma campanha baseado numa piadinha, quer dizer, essas coisas....mas eu acho que isso está emprestado ao Brasil. Não é nosso ( grifo nosso). Nosso estado de espírito é mais alegre, mas este tipo de propaganda me parece mais o espírito do judeu americano, que faz aquele tipo de autogozação. Uma espiritualidade que não é bem brasileira. ( ZARAGOZA, 2003: 210)


Ou seja, Bill Bernbach e o ensinamento da sua Revolução Criativa que ajudou os criadores publicitários a sair do limbo nos anos 60, não apenas no Brasil mas no mundo inteiro, contagiando centenas de agências, estava prestes a perder seu status de dominante ortodoxo, contestado o seu humor de autogozação tipicamente judeu por seus mais diletos dominados heterodoxos, como aliás bem prevê Bourdieu ( 1996) quando fala do inevitável envelhecimento social provocado muitas vezes pelos próprios prosélitos dos dominantes.

Zaragoza e seus pares estavam arquitetando, então, um novo modo de diferir no campo, condição básica para manter-se na posição conquistada há não muito tempo, de heterodoxo em ascensão à ortodoxia, com a fundação da DPZ (1968). Como ressalta Bourdieu:

Quando um novo grupo literário ou artístico se impõe no campo, todo o espaço das posições e o espaço dos possíveis correspondentes(...) vêem-se transformados por isso: com seu acesso à existência, ou seja, à diferença, é o universo das opções possíveis que se encontra modificado, podendo as produções até então dominantes, por exemplo, ser remetidas à condição de produto desclassificado ou clássico. ( BOURDIEU, 1996: 265)




Um clássico. É nisso que acabava de se transformar o revolucionário Bill Bernbach, naquele ano de 1975 da fundação do vanguardista Clube de Criação de São Paulo, em protesto contra a linguagem importada americana e também, em represália aos critérios considerados comerciais e ilegítimos do Prêmio Colunistas - organizado pelo mesmo jornalista Armando Ferrentini - um certame de premiações anual conduzido por colunistas especializados em publicidade, nenhum deles no entanto considerado pelos criadores publicitários mais críticos como autorizado por competência técnica a julgar o que era ou não de boa qualidade sob o ponto de vista da criatividade publicitária.

Nasce assim, em 1975, o CCSP, Clube de Criação de São Paulo, para reunir criadores publicitários que seriam - eles mesmos e não jornalistas estranhos no ninho - os próprios juízes dos melhores trabalhos brasileiros em criação publicitária, celeiro da futura privilegiada posição do Brasil entre os três países mais criativos do mundo em publicidade, dali a duas décadas, na de 90.

O mundo dos múltiplos Zaragozas começou quando o pequeno José, ao contrário dos demais que usavam livros em sua casa apenas para ler, ficava desenhando no espaço em branco entre um capítulo e outro, volume atrás de volume, escondido da família. Até o dia em que uma amiga da sua mãe devolveu uns livros emprestados e comentou com a Sra. Zaragoza sobre os surpreendentes desenhos entrecapítulos dos livros. Conseqüência: aos 13,14 anos, Zaragoza foi matriculado pela mãe em aulas de desenho com uma professora de artes e mais tarde, recomendado pela própria maestra e aceito na Escola de Belas Artes Las Lonjas, de Barcelona, onde por dois anos acumulou o capital cultural específico precioso que faria a sua diferença, depois, no Brasil, relatando que os professores eram tão severos que " era proibido usar preto, imagina!".


Leiautes obras-de-arte
Telmo Martino (2004), colunista do Jornal da Tarde de São Paulo, famoso por suas alfinetadas, jamais espetou Zaragoza, " um dos raros artistas que podem dar as mais difíceis ordens à sua arte com a mais completa certeza de uma obediência" ( 2004:103). Chamava-o, também, de luxuoso:

O luxuoso José Zaragoza anda muito exibicionista. Neste momento exibe quadros em galerias de Brasilia e Porto Alegre. Daqui a um mês, estará exibindo quadros, com Rubens Gerchman e Ivald Granato, na Galeria Monica Filgueiras de Almeida. E, em dezembro, participará de uma coletiva gigante na galeria Paulo Figueiredo. ( MARTINO, 2004: 315.)



Quando Zaragoza completou 18 anos, foi convocado para o serviço militar. Supremo sacrifício: servir ao verdugo que mandara matar seus tios. Sem poder se esquivar, por dois anos ele esteve na Marinha, onde muito cedo os oficiais descobriram seu talento para o desenho e permitiram ao marujo José passar as tardes desenhando suas famílias. As famílias e suas feiúras, diz Zaragoza, que conta ter piorado seus traços, de propósito, como fazia Goya, por vingança.
Antes de ir para a Marinha, porém, com 14 anos, Zaragoza ajudava nas despesas em casa trabalhando como aprendiz de mecânico em uma oficina, onde ficou amigo de um vizinho, Henrique, que mais tarde partiu para São Paulo, no Brasil. Zaragoza também retocava negativos de fotógrafos, eliminando os defeitos do vidro, com lápis. E, ainda, pintava cartazes de cinema, gigantescos painéis de 4 metros que - ele lembra - se divertia fazendo: quadriculava as fotos pequenas do filme e as ampliava no imenso espaço em branco do cartaz, espaço aliás muito parecido com o das suas telas enormes de hoje em dia, quase duas vezes e meia a sua altura. Desse tempo de cartazista adolescente, Zaragoza trouxe o duplo talento dos seus outros Zaragozas: o ilustrador e o apaixonado por cinema; e mais um talento extra, o de retocador de negativos, que muito iria lhe servir, quando imigrasse para São Paulo.

Na volta de Zaragoza do serviço militar, em 1950, Franco continuava no poder, onde permaneceu por quase 40 anos, depois de vencer a Guerra Civil Espanhola (1939) com um saldo de mais de meio milhão de mortos e um período de depressão e repressão, segundo relata a jornalista Carmem González, da BBC Mundo (2000):

Franco sempre deixou claro que não acreditava na reconciliação e perseguiu sistematicamente seus adversários...(...) Milhares de exilados partiram para América Latina (...) Franco odiava os comunistas, os maçons e os liberais e defendia a fé católica e os valores do Império Espanhol ( ...) Se referia à independência das últimas colônias espanholas ( Cuba, Porto Rico e Filipinas) como " o desastre" e relacionava a esquerda com o próprio demônio (...) Segundo rezava o escudo de armas nacional, a Espanha era ( ou devia ser) UMA, GRANDE e LIVRE. ( GONZALEZ, 2000)5



Que futuro tinha o jovem Zaragoza em Barcelona, com 20 anos e nenhum emprego? Em outubro de 1952, Zaragoza chega ao porto de Santos, no Brasil, depois de 14 dias de viagem de navio, onde seu ex-vizinho Henrique, ex-companheiro da oficina onde trabalhou quando garoto, foi apanhá-lo, com a mulher, e hospedá-lo em sua casa no sencillo bairro Vila Prudente, em São Paulo.

Dia seguinte, sexta-feira, Zaragoza encontrou nos classificados de jornal várias
5 Franco siempre dejó en claro que no creía en la reconciliación y persiguió sistemáticamente a sus adversarios. (...) Miles de exiliados partieron para América Latina (...) Franco odiaba a los comunistas, a los masones y a los liberales y defendía la fe católica y los valores del Imperio Español (...) Se refería a la independencia de las últimas colonias españolas (Cuba, Puerto Rico y Filipinas) como "el desastre" y relacionaba a la izquierda con el mismo demonio. (...) Según rezaba el escudo de armas nacional, España era (o debía ser) UNA, GRANDE Y LIBRE. (GONZALEZ, 2000.)



ofertas de emprego para fotógrafo. Foi ao centro da cidade com o conterrâneo e acabou conseguindo colocação em um estúdio chamado Fotolabor, de um alemão - Werner Habercrome - onde passou a fazer fotos, ampliações, revelar e fixar: " tinha as unhas sempre pretas, tingidas pelo fixador", ele conta. Mas o serviço que mais gostava, mesmo, na Fotolabor, era ampliar as ilustrações para os layouts da agência de propaganda J.W.Thompson, encomendadas por outro alemão, Munch, chefe do departamento de arte-final.

Ilustrador de mão-cheia
Analise-se os espaços dos possíveis para Zaragoza nesse exato momento histórico de 1953. Ser estrangeiro nesse período, no Brasil, era bastante comum na São Paulo de então. Só no mundo bem próximo ao seu, cotidiano, Zaragoza já podia contar cinco imigrantes: dois alemães - seu patrão e o chefe de estúdio da Thompson, mais três catalães - ele, o amigo e sua mulher. Ser estrangeiro no campo da publicidade, então, era ainda mais comum, pois no começo da década de 50 a publicidade brasileira apenas iniciava a formação técnica dos seus profissionais, na recém fundada Escola de Propaganda, que funcionava como curso de um ano dentro do Museu de Arte de São Paulo, em sala cedida por Assis Chateaubriand. Naquela época, os professores de publicidade no Brasil eram, de fato, os gringos das já profissionalizadas agências americanas aqui presentes, como Thompson e McCann.

Havia, ainda, mais outro claro espaço dos possíveis para Zaragoza: os anúncios publicitários da época não usavam fotografia, mas justamente aquilo que ele sabia fazer e tinha se aperfeiçoado, na Escola Las Lonjas de Barcelona: arte. Ou seja: havia na estrutura do campo uma lacuna onde se encaixava o capital cultural específico do habitus de Zaragoza. Projetado esse talento para a publicidade contemporânea, por exemplo, onde os layouts são todos digitais e qualquer diretor de arte tem acesso pela internet às boas fotos clicadas em qualquer lugar do planeta, por banco de imagens, Zaragoza teria infinitamente mais dificuldade para empregar o seu talento.

Em 1953, seis meses depois de atracar em Santos, Zaragoza juntou seus desenhos, ilustrações e algumas capas de livros que tinha criado em Barcelona, para uma gráfica, e foi bater na porta do alemão Munch, na Thompson. Munch levou seu portifolio para o chefe dele, um inglês de nome Eric Nice, que gostou dos trabalhos e contratou Zaragoza naquele mesmo dia como seu assistente de arte. Começava ali a incursão definitiva do terceiro Zaragoza, no mundo da criação publicitária, pelas mãos de Eric Nice, o diretor de arte que Roberto Duailibi, em seu depoimento no livro Layoutman (2003:14) chama de " o pai de todos".

Há, ainda, mais um espaço dos possíveis objetivo, transparente lacuna estrutural que o historiador Roger Chartier ( 2002) reputa como relação visível, citando Bourdieu, em oposição às relações abstratas do habitus: na hierarquia do campo da publicidade, em 1953, no Brasil, o papel de dominante era ocupado pelos contatos, os profissionais do atendimento, conta Duailibi ( 2003:14). Pela ordem, depois dos contatos vinham os redatores, que trabalhavam isolados e criavam não apenas o texto mas a idéia visual do anúncio que, na etapa seguinte, em separado, lá na chamada Sala de Arte, seria humildemente obedecida sem questionar pelos layoutmen, os últimos da cadeia alimentar, relata Duailibi - ele, mesmo, um redator formado em Sociologia:

Os layoutmen eram, em geral, pessoas modestas, saídas das oficinas gráficas, cuja única tarefa era dar uma certa disciplina visual ao texto criado pelos intelectuais da profissão, os redatores. Estes constituíam uma casta à parte, jornalistas ou ex-jornalistas, mas todos escritores com o grande romance da língua portuguesa guardado em suas gavetas e um plano para salvar a humanidade. Não se misturavam com os layoutmen, criaturas de limitados dotes intelectuais que ao fim do expediente iam jogar sinuca, faziam um bico em algum jornal de bairro ou voltavam de bonde para suas casinhas num bairro distante onde eram recebidos para jantar por suas esposas gordinhas. Alguns eram também ilustradores e " marcavam" layouts. ( DUAILIBI, In ZARAGOZA, 2003:14-18. )

José Maria Martinez Zaragoza podia ser tudo. Menos modesto. Mesmo morando agora em uma casinha simples perto do subúrbio de Itaquera, na Vila Nova Manchester, e indo trabalhar de ônibus, o catalão estava mais para prudentemente estratégico do que para humilde. Ele sonhava ascender na carreira, mas Eric Nice não o promovia a diretor de arte e ele continuava a fazer apenas as suas ilustrações. Era o ano de 1955 e o estratégico Zaragoza vislumbrou a sua oportunidade em uma crise: um anúncio do absorvente higiênico Modess que o atendimento não conseguia aprovar com a Johnson & Johnson. Ele, que apenas passava a limpo as criações de Eric Nice, resolveu então criar um anúncio sozinho:



Uma noite, criei o anúncio em casa. No dia seguinte levei para a agência, que o apresentou ao cliente. Finalmente, ele aprovou um trabalho e eu fui promovido a diretor de arte. Virei o queridinho da Thompson, o "enfant gâté" da agência. ( ZARAGOZA, 2001)


O anúncio, com fundo amarelo, mostrava a ilustração em preto e branco de uma mulher em um requintado vestido longo de baile tomara-que-caia, com luvas e colar, cujo título dizia: Para ela sempre o melhor! E o texto, uma torrente superlativa: O melhor em modas!....O melhor em confôrto!...E, sem dúvida, o melhor para os cuidados íntimos. Por isso ela prefere Modess. Absolutamente seguro. Divinamente confortável. Invisível mesmo sob os mais colantes vestidos. Fantasticamente absorvente. E para seu recato pessoal, uma vantagem que não tem preço: não é preciso lavar! Usa-se ....e joga-se fora. ( No final, um reforço, ao lado da embalagem do produto.) Custa caro? Certamente, não! Menos que um simples vidro de esmalte!...É tão fácil de comprar - basta pedir Modess.

Como Picasso,  ficou jovem até morrer
A conquista desse importante capital simbólico por Zaragoza certamente adquiriu valor ainda maior porque naquele momento ele conseguiu tratar com rara finesse um assunto tão tabu na sociedade da época, de extremo recato, quando o ciclo menstrual era discretamente controlado pelo uso de antiquadas toalhinhas laváveis e as mulheres não apenas se afastavam indispostas de suas lides diárias - naqueles dias - quanto mais postarem-se de chiques e dispostas a um baile tal qual a dama da ilustração. O anúncio era, de fato, muito moderno.

Conforme observou Renato Ortiz ( [1988] 2006: 28-37) em seu A moderna tradição brasileira, o conceito de modernidade, no Brasil viveu primeiro o papel de " ornamento" cultural - nascido do desejo burguês de pertença ao mundo civilizado, surgido no discurso antes da prática sócio-econômica - e por isso teria também andado de mãos dadas com a cultura de mercado, sem culpa nem contradições, onde os chamados " intelectuais" - entre os quais seria até possível enquadrar Zaragoza e seus pares - atuavam " dentro da dependência da lógica comercial" até com um certo orgulho, porque se sentiam atrelados ao tecnológico, ao civilizado, ao industrializado, ao moderno primeiro mundo. Ortiz ( 2000) ressalta que no Brasil, os meios de massa historicamente foram usados como legitimadores das obras artísticas, já que seus autores - como os escritores, por exemplo -, valiam-se dos seus emprego no jornal, tanto como fonte de renda quanto como fonte de prestígio, na falta da institucionalização de um campo literário propriamente dito.


Em 1955, o Brasil se recuperava do choque do suicídio do presidente Getúlio Vargas, e elegia Juscelino Kubitscheck. Juventude Transviada fazia sucesso nos cinemas, com James Dean, que virava o símbolo da rebeldia (sem causa) dos anos 50. A Indústria Cultural tomava posse do rock and roll, nascido para contestar. A televisão no Brasil completava 5 anos e a Sony fazia chegar aos lares um pequeno milagre da tecnologia: o rádio portátil. Duas atrizes encarnavam o tipo ideal de mulher com suas formas generosas: Marilyn Monroe e Brigitte Bardot, mistura de sensualidade com ingenuidade. No cenário internacional, Estados Unidos e União Soviética disputavam uma Guerra Fria pautada pela corrida espacial. E produtos como Walita e G.E. chegavam para aliviar o trabalho doméstico:

A tradição e os valores conservadores estavam de volta. As pessoas casavam cedo e tinham filhos. Nesse contexto, a mulher dos anos 50, além de bela e bem cuidada, devia ser boa dona-de-casa, esposa e mãe. Vários aparelhos eletrodomésticos foram criados para ajudá - la nessa tarefa difícil, como o aspirador de pó e a máquina de lavar roupas.(...) Ao final dos anos 50, a confecção se apresentava como a grande oportunidade de democratização da moda, que começou a fazer parte da vida cotidiana. Nesse cenário, começava a ser formar um mercado com um grande potencial, o da moda jovem, que se tornaria o grande filão dos anos 60. ( GARCIA, Claudia)



A moda jovem trazida pela camiseta branca de Marlon Brando em Um bonde chamado desejo e o jeans de James Dean em  Juventude Transviada traduziram-se na carreira de Zaragoza em uma memorável campanha de calça de brim da marca Far-west para jovens de ambos os sexos, com o título: " Todo mundo é gente moça quando a calça é Far-west". Recém ali, no final dos anos 50, a gente moça do Brasil começou a ter permissão social e cultural para se vestir diferente da gente adulta.

De queridinho da Thompson à marca do Z


Em 1957, quando o prefeito de São Paulo Jânio Quadros proibiu o rock and roll nos bailes, por despudorados movimentos pélvicos, Zaragoza já tinha outros planos. Ungido agora por poderoso capital simbólico e razoável capital econômico, pede a Eric Nice que o libere para passar um tempo dirigindo arte no escritório Thompson de Nova York. A essas alturas, Zaragoza já havia granjeado o respeito e a admiração dos seus pares pelo seu trabalho e também pelos escândalos que armava enfrentando os todo-poderosos contatos. Duailibi ( 2003) é quem relata:

Com vinte e poucos anos de idade, Zaragoza já era um mito, pelo menos dentro da Thompson. Era o único layoutman ( como se chamavam então os diretores de arte) que enfrentava os contatos, donos supremos da verdade, juízes do que era bom ou era ruim, intérpretes infalíveis das vontades dos clientes. (...) Zaragoza era respeitadíssimo porque tinha coragem. Ficara famoso por sapatear em cima de uma mesa sobre layouts recusados que uma secretária viera lhe devolver. (DUAILIBI, In ZARAGOZA, 2003:14-18 )


O que Bourdieu ( 1996) chama de construir capital simbólico pelo poder de dizer coisas com palavras, de fazer crer, Zaragoza conquistou para os criadores publicitários das artes com o seu pasodoble andaluz. Duailibi (2003) confirma o desvio:

Suas explosões, sua intolerância com a recusa sem justificativa, sua impaciência com contatos que levavam layouts aos clientes e não defendiam as idéias. Esse tipo de atitude começou a se espalhar dentro da Thompson e por ser tão inédita e tão chocante, espalhou-se por outras agências. gerando uma verdadeira revolução na maneira de trabalhar de toda a profissão. Acabava -se aquela atitude arrogante do contato que dizia " I have the cliente in my back pocket ". (DUAILIBI, In ZARAGOZA, 2003:14-18 )


Casamento de mais de 50 anos 
Duailibi inclusive faz uma clara diferenciação entre o que chama de " layout commodity" e " layout-arte", na época, referindo-se à visível superioridade do trabalho realizado pelo artista plástico Zaragoza que, tudo indica, tinha plena consciência de não ser um layoutman-commodity e, portanto, não permitia ser tratado como tal:

O Zaragoza logo se tornou muito conhecido porque, primeiro, ele sempre foi um homem muito bonito, dançava flamenco para as secretárias nos corredores da Thompson e tinha a coragem de contestar os clientes e os contatos. Se o contato aparecesse com um leiaute que não tinha sido aprovado pelo cliente, ele rasgava o leiaute na frente do contato. Então, começou também a ser esse relacionamento estranho, porque era um layoutman que enfrentava o contato, que era o máximo de autoridade dentro da agência. O pessoal começou a respeitá -lo e começou a assumir o compromisso de não voltar com o leiaute recusado. Porque o leiaute era uma commodity. Vai fazendo aí até o cliente gostar. E já o leiaute como obra de arte (...) ( DUAILIBI, 2005.)



Em 1957, liberado por Eric Nice, Zaragoza foi para Nova York. Foi, viu, venceu mais ou menos, porque só lhe davam anunciozinhos classificados para criar, mas ele conta que divertiu-se, conheceu fotógrafos famosos, morou em Manhatan, criou algumas peças para Ford e até uma campanha como aquela de Modess - feita da noite para o dia - salvando a pátria da criação da agência nova-iorquina, para uma companhia de cruzeiros sofisticados de navio, dessa vez, ilustrando os anúncios com as lembranças na memória de sua viagem de imigrante para o Brasil, quando espiava de longe o sofisticado mundo da Primeira Classe.

Um dia, ele teve certeza: mesmo que morasse dez anos em Nova York, seus colegas americanos jamais deixariam de chamá-lo porto-riquenho. Não realizavam que ele era europeu. Quando foi comunicar ao presidente da agência Stevenson que estava voltando para o Brasil, o chairman da Thompson se supreendeu: " Como? Você vai voltar para Buenos Aires?". Zaragoza tratou de arrumar uma razão mais glamurosa que a do porto-riquenho e inventou motivos verde-amarelos claramente por empréstimo:

Em português existe a palavra saudade, cujo significado você não conhece; eu sinto saudade do povo brasileiro, porque o pobre americano inventou uma coisa maravilhosa chamada blues, mas o pobre brasileiro inventou o samba. ( ZARAGOZA, 2001)


arte catalã no sangue
Antes de voltar de Nova York, Zaragoza fez um estágio de três meses na área de edição da NBC, em Hollywood, onde eram produzidos os programas patrocinados pela Lever Brothers, cliente da Thompson, e onde ele afirma que realmente começou a tomar gosto pelo cinema, semente do Zaragoza número quatro.

No começo dos anos 60, retornou ao Brasil, permaneceu um tempo na Thompson de São Paulo, experimentou a Thompson de Milão, a Thompson de Paris, a Thompson de Londres. Mas desistiu: sentia-se estrangeiro em todo lugar. Decidiu partir para um negócio próprio: um estúdio de arte autônomo que prestasse serviços para o mercado. Seu amigo Francesc Petit, também catalão e diretor de arte, que ele havia conhecido em 1953, em seu primeiro dia na Thompson, e com quem dividia por afinidade de habitus um atelier de pintura na rua Sílvia, bairro Bexiga, topou a sociedade: "vamos fazer, revolucionar!" 

Assim nasceu a Metro 3, que se expandiu criando marcas, logotipos, ilustrações, uma verdadeira consultoria de arte, como salienta o artigo escrito por Roberto Duailibi na revista Propaganda de setembro de 1962, página 14, artigo por sinal com evidente aspecto de matéria paga, onde Petit dá um depoimento que é o verdadeiro credo da futura DPZ, ao mesmo tempo em que valoriza seus layouts artísticos como se fossem " um quadro":

Trabalhando em agências, aprendemos que a arte não pode estar divorciada da realidade do marketing. No entanto, e exatamente por causa dessa realidade, cremos que o aspecto físico dos layouts deva ser estudado tão profundamente e com tanto carinho, como se estivéssemos trabalhando num quadro. Só assim, através da experiência de mercado e da experiência da arte, poderemos criar algo que dê ao produto anunciado uma personalidade poderosa, que se sobreponha`a de seus concorrentes. ( PETIT, 1962:14)
Os DPZs, quase 50 anos depois.
Começava ali a história da agência que o redator Neil Ferreira chamaria depois de a mãe de todas as agências: a DPZ, de Duailibi, Petit e Zaragoza:


Hoje, quem está tentando romper os limites, ou trabalha na DPZ, ou trabalhou na DPZ ou está de olho na DPZ. ( FERREIRA, In ZARAGOZA, 2003: 22.) <> ( Graça Craidy)


OBS: Este artigo faz parte da minha dissertação de Mestrado que defendi em abril de 2007, na FAMECOS PUCRS, sob o nome Do porão ao poder.

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